A primeira curiosidade é que este livro não foi escrito por um psicólogo, ou um neurocientista, ou ainda, por um professor de educação física. Seria mais comum que isto ocorresse, pois são profissionais que, em teoria, sabem bem como é o comportamento humano e em quais ambientes, além de quais os métodos de treinamento, são os mais adequados para a construção de atletas inteligentes e criativos para o esporte. Entretanto, Daniel Coyle é um jornalista esportivo, proveniente de uma cidade com aproximadamente 10 mil habitantes.
Dentre as inúmeras questões abordadas por este jornalista, a tríade que conduz a discussão é: Treinamento Profundo, Ignição e o Grande Treinador. Daqui em diante, apresento os conceitos e ao final, me posiciono em relação à construção do talento.
O Treinamento Profundo refere-se às práticas ricas em oportunidades de aprendizado, sem se limitarem apenas às repetições mecânicas de certas habilidades. O treinamento profundo depende de um envolvimento íntimo do aprendiz com a habilidade desejada, alimentada por um intenso desafio interno. Para Coyle, e para os grandes treinadores por ele entrevistados, os erros e a forma como lidamos com eles, têm papel estratégico no ato de aprender de forma diferenciada. O autor coloca como exemplo a aprendizagem do ato de andar dos bebês que através dos erros e acertos, adquirem a habilidade de caminhar.
A Ignição é o termo que Daniel Coyle escolheu para resumir a energia, a paixão, o compromisso que o aprendiz precisa ter para tornar o treinamento profundo eficaz, ou seja, para que o treinamento seja realmente profundo. Na Psicologia do Esporte, este desafio interno é conceituado como motivação intrínseca (SAMULSKI, 2009). Em outras palavras, ignição representa uma motivação e entusiasmo especiais pela aprendizagem de determinadas habilidades. Esta motivação e este entusiasmo costumam ser contagiantes e são inspirados por padrões, referências ou modelos que criam verdadeiros ambientes de aprendizagem, independentemente de existir ou não uma infraestrutura considerada mais adequada (instalações, equipamentos modernos etc.). As fábricas de talento, visitadas por Coyle, que mais produziram atletas possuíam instalações que colocavam os atletas em situação de desconforto. O futebol de rua, praticado em muitos lugares no Brasil, pode ser considerado um bom exemplo deste ambiente favorável de aprendizagem.
O Grande Treinador é o elemento que completa a tríade para o desenvolvimento do talento, na prática de determinadas habilidades. O perfil deste treinador, mestre ou professor, entretanto, não se resume a um profissional que seja um grande líder impositivo, conhecedor das técnicas que se propõe a ensinar ou alguém capaz de executar com precisão a habilidade que ensina. Pelo contrário, o grande treinador tem o papel de facilitar a aprendizagem e guiar os alunos individualmente ou em pequenos grupos. Para isso precisa consciente ou mesmo, intuitivamente, conhecer as particularidades do aprendiz e saber como ele pode realizar o treinamento profundo, com disciplina, compromisso, intensidade, entusiasmo e paixão.
A seguir, coloco o esquema idealizado por Coyle, explicando como concebe a construção do talento através da análise da tríade anteriormente discutida:
Ao final deste pequeno ensaio, deixo minha opinião em relação ao talento. O talento é construído. Com muito trabalho, ambiente e atividades adequadas a cada indivíduo, além de afinidade entre treinador e atleta.
REFERÊNCIAS:
COYLE, D. O Código do Talento. Rio de Janeiro: Agir. 2010. 272 p.
SAMULSKI, D. Motivação. In: D. Samulski (Ed.). Psicologia do Esporte: Conceitos e Novas Pespectivas. Barueri: Manole, v.2, 2009, p.496.